Era uma noite bem
atípica para aquela região, com cheiro de terra molhada, pela forte chuva que há
anos não se fazia presente ali. Dona Leo, preocupada e ansiosa esperava pelo
filho caçula. Era mãe de mais quatro filhos, todos já crescidos e com suas
vidas engatilhadas. Mas esse menor, - ah esse menor – sabia ela no fundo do seu
coração que ainda ia dar muito trabalho. Menino birrento, sem muito brilho no
olhar, não queria saber de ir á missa
aos domingos, não gostava de bicho, brincava pouco, o pouco de alegria que às
vezes parecia sentir, era quando contava mentiras, alias muito bem reprendidas
por dona Leo, que não entendia da onde é que podiam sair tantas mentiras, era
cada coisa que ele falava, coisa que nunca tinha visto ou vivido. Ficava ali,
ás vezes por horas mentindo e as pessoas atentas as suas mentiras, muitas vezes
nem questionavam nada, por respeito à dona Leo. Mas ela como mãe, bastava olhar
naqueles olhos parados e vazios que já
sabia que eram mentiras. Continuava lá, em frente à porta, esperando pelo filho
chegar, preparando-se para mais uma possível mentira. Enquanto as horas iam
passando e o menino não chegava, resolveu costurar umas roupas, já surradas
pelo tempo de uso. Sabe como é, família de vida pobre, sem muitos bens,
vestiam-se com as roupas que ganhavam de doações. Vida seca, sem fartura, sem
muita esperança. O que mais dona Leo tinha pra oferecer era o amor e fazia isso
sem a menor questão de economizar, ela mesma dizia que já economizava tanta coisa,
no amor não ia economizar não! Tinha tido uma vida dura , infância sofrida ,
começou a trabalhar cedo nas casas dos outros , lavava , passava, cozinhava ,
cuidava dos filhos dos patrões, mas fazia sempre tudo com amor. Tinha aprendido
com a dura rotina da vida a transformar suas decepções e frustrações. Era mais
fácil assim – dizia ela – pra que ficar me remoendo, sentindo ódio das coisas
que às vezes passo, se amar é melhor.
Enquanto trabalhava
ficava imaginando o seu príncipe encantado que sabia existir, pelas histórias
que escutava das patroas quando contavam aos filhos. Ficava ali imaginando como
seria quando esse príncipe chegasse, sabia que não era nenhuma princesa, mas o
príncipe ela ia ter e preparava-se para amar, enquanto ele não chegava , achava
melhor ir treinando, no dia a dia o amor que tinha pra oferecer.
Dona Leo, foi uma
menina bonita e transformou-se em uma mulher de beleza misteriosa, faceira com
a pele já bronzeada pelo sol ,cabelos pretos e longos , corpo apreciável e um
andar de guerreira, com forças pra lutar da forma que podia, pra tentar
melhorar de vida. Fome nunca tinha passado, mas deixou de realizar muitos dos
mais simples desejos que normalmente as pessoas costumam ter. Não tinha tempo
pra ficar querendo muita coisa, mais de uma coisa ela não abria mão: seu
príncipe encantando. E foi tocando a vida, trabalhando de forma honesta, sempre
nas casas dos outros. Sabia que teria a sua também com a ajuda do príncipe e
enquanto ele não aparecia ficava ali se preparando.
Em seus dias de folga,
costumava sair pra ver o mar. Ah... aquilo sim era bonito de se ver, mas nunca
teve coragem de entrar não, dizia que era respeito, o mar era muito grande. Mas
só pra ver, isso ela podia, ficava ali olhando o mar e pensando nas coisas que
não poderia realizar durante sua vida, sentia raiva, ódio, tristeza, mas
transformava em amor. Mas o que ela não abria mão de jeito nenhum era do seu
príncipe – ah isso não! – pensava ela.
Em foi num desses
passeios à praia que dona Leo conheceu Mário. Apaixonou-se logo à primeira vista,
sentindo a batida forte no peito do coração apaixonando, o ar sumiu e ali viu o
tempo permanecer parado, como se aquele instante pudesse acabar á qualquer
reação sua. Já sabia o que tinha encontrado. Mas moça tímida que ainda era,
ficou ali, com os olhos cheios de lágrimas, agradecendo ao mar, que acreditava
ter sido o responsável por aquele momento.
Com medo de cair ,
preferiu sentar-se na areia, enquanto observava aquele belo rapaz caminhar pela
praia , de forma tranquila e suave , como senão tivesse pressa alguma.
Dona Leo permanecia ali
, somente observando, agora um pouco mais calma, como se estivesse apenas
constatando a certeza que trazia consigo há alguns anos. Porém um misto de
sentimentos começava atormentar , afinal não estava acostumada com realizações.
Pensou por um instante em estar tendo uma visão , depois de tanto tempo olhando
pro mar seria bem aceitável estar variando. E de repente começou a não querer
acreditar mais na única certeza que carregara por tanto tempo até ali. Era
muito estranho acreditar que realmente o seu amor havia chegado, estava tão
acostumada a não ter nada. E nesses devaneios , os sentimentos de amor ,
inveja, ódio , tristeza novamente começavam a tortura-la. Estava se sentindo
muito mal, sem forças para se levantar , sentiu a vista escurecer , pensou que
fosse desmaiar...
Ei ... por favor você
pode me ajudar ?
Foi como se tivesse
sobrevivido a um afogamento, e que aos poucos e de forma rápida começasse a
respirar novamente. Ergueu a cabeça e guerreira como era disse apenas que sim. Arrumou
forças pra se levantar , limpou-se da areia que tinha em sua roupa e com um
sorriso tímido perguntou no que seria útil – estava costumada a servir - .
Você sabe me dizer onde
fica o Farol?
Dona Leo, estranhou
afinal o farol era um bar , onde só encontravam-se os marinheiros , que após
longas viagens queriam beber e se divertir com as mulheres, pronta para
recebe-los. Como um homem que aparentava ser tão distinto queria ir ao Farol? O
que faria lá? Mas resolveu apenas responder a pergunta do rapaz disse que sim e
indicou-lhe o caminho, esperando talvez por alguma explicação.
Mario, muito
educadamente agradeceu e começou a ir conforme havia lhe sido recomendado.
E dona Leo ficou ali,
agora olhando o que entendia por seu amor ir embora, aos poucos e cheias de
inquietações , começando a ser atormentada pelos seus péssimos sentimentos.
Foi quando ao longe
ouviu Mario lhe perguntar novamente:
Você vem sempre aqui?
Apenas teve forças pra
dizer que sim.
Mário parou , e com um
aceno foi logo dizendo : Nos veremos outra vez.

Será que Dona Leo pega o Mario? Ou será que ela descrobrirá que o amor romântico é uma invenção do século XX, e o que nos resta, felizmente, são nossos desejos, estes sim, genuínos?
ResponderExcluirQuerido hot amale , nossos desejos mais genuínos estão mais aceitos e presentes neste século , talvez ? ... você me deu uma boa ideia !!! Muito Obrigada pelo comentário.
ResponderExcluirEstou ansioso pra ver ela sair dessa prática de amor e se jogar em experiências mais instintivas, mas fico no aguardo...!!??
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