terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Continuar ... (1)



Era uma noite bem atípica para aquela região, com cheiro de terra molhada, pela forte chuva que há anos não se fazia presente ali. Dona Leo, preocupada e ansiosa esperava pelo filho caçula. Era mãe de mais quatro filhos, todos já crescidos e com suas vidas engatilhadas. Mas esse menor, - ah esse menor – sabia ela no fundo do seu coração que ainda ia dar muito trabalho. Menino birrento, sem muito brilho no olhar,  não queria saber de ir á missa aos domingos, não gostava de bicho, brincava pouco, o pouco de alegria que às vezes parecia sentir, era quando contava mentiras, alias muito bem reprendidas por dona Leo, que não entendia da onde é que podiam sair tantas mentiras, era cada coisa que ele falava, coisa que nunca tinha visto ou vivido. Ficava ali, ás vezes por horas mentindo e as pessoas atentas as suas mentiras, muitas vezes nem questionavam nada, por respeito à dona Leo. Mas ela como mãe, bastava olhar naqueles olhos parados e vazios que  já sabia que eram mentiras. Continuava lá, em frente à porta, esperando pelo filho chegar, preparando-se para mais uma possível mentira. Enquanto as horas iam passando e o menino não chegava, resolveu costurar umas roupas, já surradas pelo tempo de uso. Sabe como é, família de vida pobre, sem muitos bens, vestiam-se com as roupas que ganhavam de doações. Vida seca, sem fartura, sem muita esperança. O que mais dona Leo tinha pra oferecer era o amor e fazia isso sem a menor questão de economizar, ela mesma dizia que já economizava tanta coisa, no amor não ia economizar não! Tinha tido uma vida dura , infância sofrida , começou a trabalhar cedo nas casas dos outros , lavava , passava, cozinhava , cuidava dos filhos dos patrões, mas fazia sempre tudo com amor. Tinha aprendido com a dura rotina da vida a transformar suas decepções e frustrações. Era mais fácil assim – dizia ela – pra que ficar me remoendo, sentindo ódio das coisas que às vezes passo, se amar é melhor.
Enquanto trabalhava ficava imaginando o seu príncipe encantado que sabia existir, pelas histórias que escutava das patroas quando contavam aos filhos. Ficava ali imaginando como seria quando esse príncipe chegasse, sabia que não era nenhuma princesa, mas o príncipe ela ia ter e preparava-se para amar, enquanto ele não chegava , achava melhor ir treinando, no dia a dia o amor que tinha pra oferecer.
Dona Leo, foi uma menina bonita e transformou-se em uma mulher de beleza misteriosa, faceira com a pele já bronzeada pelo sol ,cabelos pretos e longos , corpo apreciável e um andar de guerreira, com forças pra lutar da forma que podia, pra tentar melhorar de vida. Fome nunca tinha passado, mas deixou de realizar muitos dos mais simples desejos que normalmente as pessoas costumam ter. Não tinha tempo pra ficar querendo muita coisa, mais de uma coisa ela não abria mão: seu príncipe encantando. E foi tocando a vida, trabalhando de forma honesta, sempre nas casas dos outros. Sabia que teria a sua também com a ajuda do príncipe e enquanto ele não aparecia ficava ali se preparando.
Em seus dias de folga, costumava sair pra ver o mar. Ah... aquilo sim era bonito de se ver, mas nunca teve coragem de entrar não, dizia que era respeito, o mar era muito grande. Mas só pra ver, isso ela podia, ficava ali olhando o mar e pensando nas coisas que não poderia realizar durante sua vida, sentia raiva, ódio, tristeza, mas transformava em amor. Mas o que ela não abria mão de jeito nenhum era do seu príncipe – ah isso não! – pensava ela.
Em foi num desses passeios à praia que dona Leo conheceu Mário. Apaixonou-se logo à primeira vista, sentindo a batida forte no peito do coração apaixonando, o ar sumiu e ali viu o tempo permanecer parado, como se aquele instante pudesse acabar á qualquer reação sua. Já sabia o que tinha encontrado. Mas moça tímida que ainda era, ficou ali, com os olhos cheios de lágrimas, agradecendo ao mar, que acreditava ter sido o responsável por aquele momento.
Com medo de cair , preferiu sentar-se na areia, enquanto observava aquele belo rapaz caminhar pela praia , de forma tranquila e suave , como senão tivesse pressa alguma.
Dona Leo permanecia ali , somente observando, agora um pouco mais calma, como se estivesse apenas constatando a certeza que trazia consigo há alguns anos. Porém um misto de sentimentos começava atormentar , afinal não estava acostumada com realizações. Pensou por um instante em estar tendo uma visão , depois de tanto tempo olhando pro mar seria bem aceitável estar variando. E de repente começou a não querer acreditar mais na única certeza que carregara por tanto tempo até ali. Era muito estranho acreditar que realmente o seu amor havia chegado, estava tão acostumada a não ter nada. E nesses devaneios , os sentimentos de amor , inveja, ódio , tristeza novamente começavam a tortura-la. Estava se sentindo muito mal, sem forças para se levantar , sentiu a vista escurecer , pensou que fosse desmaiar...
Ei ... por favor você pode me ajudar ?
Foi como se tivesse sobrevivido a um afogamento, e que aos poucos e de forma rápida começasse a respirar novamente. Ergueu a cabeça e guerreira como era disse apenas que sim. Arrumou forças pra se levantar , limpou-se da areia que tinha em sua roupa e com um sorriso tímido perguntou no que seria útil – estava costumada a servir - .
Você sabe me dizer onde fica o Farol?
Dona Leo, estranhou afinal o farol era um bar , onde só encontravam-se os marinheiros , que após longas viagens queriam beber e se divertir com as mulheres, pronta para recebe-los. Como um homem que aparentava ser tão distinto queria ir ao Farol? O que faria lá? Mas resolveu apenas responder a pergunta do rapaz disse que sim e indicou-lhe o caminho, esperando talvez por alguma explicação.
Mario, muito educadamente agradeceu e começou a ir conforme havia lhe sido recomendado.
E dona Leo ficou ali, agora olhando o que entendia por seu amor ir embora, aos poucos e cheias de inquietações , começando a ser atormentada pelos seus péssimos sentimentos.
Foi quando ao longe ouviu Mario lhe perguntar novamente:
Você vem sempre aqui?
Apenas teve forças pra dizer que sim.
Mário parou , e com um aceno foi logo dizendo : Nos veremos outra vez.

3 comentários:

  1. Será que Dona Leo pega o Mario? Ou será que ela descrobrirá que o amor romântico é uma invenção do século XX, e o que nos resta, felizmente, são nossos desejos, estes sim, genuínos?

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  2. Querido hot amale , nossos desejos mais genuínos estão mais aceitos e presentes neste século , talvez ? ... você me deu uma boa ideia !!! Muito Obrigada pelo comentário.

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  3. Estou ansioso pra ver ela sair dessa prática de amor e se jogar em experiências mais instintivas, mas fico no aguardo...!!??

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